segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Acordem, pá!

Fulano saiu para a rua. Pela primeira vez naquela semana fazia sol. De facto, os dias ultimamente tinham-se apresentado demasiado cinzentos, demasiado tristes e o seu coração começava a acompanhá-los. Mas aquele dia estava predestinado a ser diferente. O grande sol tinha-se levantado para iluminar a sua rua, e a rua vizinha, e a outra do lado, e a outra, e tudo sorria debaixo dos raios de luz. Por isso Fulano saiu para a rua como ainda não tinha saído naquela semana. Mas para seu espanto, ninguém parecia estar tão atento como ele estava. Ninguém parecia ter reparado que estava sol, nem que os pássaros finalmente cantavam alegria, nem que se podia sentir um ligeiro calor vindo do céu se por um momento se ficasse quieto. Mas que raio? Porque estavam todos tão distraídos? Fulano andou um bocado, depois mais um bocadinho, virou a rua e continuou a caminhada... e só encontrou pessoas a correr de cabeça baixa, de um lado para o outro, cheias de pressa para chegar a nem elas sabem onde. Ainda presenteou algumas delas com um  "olá" meio tímido, mas não obteve resposta. Apenas expressões de susto ou de surpresa, mesmo de quem não queria daquele tipo de prendas. Desanimou. Ninguém queria comemorar consigo a beleza daquele dia, ninguém tinha tempo para isso, a avaliar pela pressa de toda a gente. Ele próprio tinha andado com pressa, até mesmo ali no dia anterior, mas porque o tempo estava feio e não lhe dava nada para apreciar. Mas naquele dia havia sol e ele não queria correr como fazia sempre. Só que mais ninguém o acompanhava nos pensamentos, e corriam, tristes e cansados (pudera!), cada vez mais tristes e mais cansados. É que correr sempre também cansa! E Fulano, amuado com toda aquela correria, voltou para casa, com pena do sol, pensando que este, mais tarde ou mais cedo, começaria a sofrer de défice de atenção e deixaria de aparecer definitivamente.



domingo, 11 de dezembro de 2011

Nunca soube lidar com as memórias

Passamos a vida a pensar no que é que é considerado certo, o que é que os outros vão pensar, se conseguimos fazer boa figura, se as nossas acções se enquadram nos parâmetros do normal, em suma, passamos a vida a perder tempo com palha. Mas pronto, lá se vai vivendo. Mas uma coisa é certa: nada disso é aceitável quando o tema é o amor. Pelo menos eu aprendi isso. Não vale a pena, é demasiado precioso para nos pormos com orgulhos, mais vale ser-se ridículo. E eu já não quero saber das regras, do que vão dizer, ou pensar. Estou cansada, não consigo perder tempo com isso. E por isso estou aqui a admitir que não, não estou bem, que não consigo ficar bem. Que cada sorriso é falso, que não tenho forças, que já não consigo fazer nada. Que quando ando por aí a comportar-me como se não fosses nada para mim estou a fingir com todo o meu ser. Não, não te esqueci, não esqueci nenhum dos nossos momentos, não esqueci a nossa história, as nossas conversas, os sítios onde nos amámos e que se tornaram tão nossos, as promessas. Tudo, está tudo dentro de mim. E sim, o que eu mais quero e ter-te de volta, ter esse teu abraço que era a minha casa. Agora já não tenho casa, estou no meio do nada. E se ao menos pudesse ser livre estando no meio do nada. Mas não, a única vez em que consegui ser livre foi quando me entreguei a ti. Era livre quando podia dizer todos os dias que te amava. Agora só sei fingir, fingir que nada aconteceu, que nada me afectou, mas porra! ver-te partir foi a pior coisa que já me aconteceu, tal como ter-te a chegares-te a meu lado foi a melhor. Se ao menos pudesse fugir da ideia de que não te tenho. Só quero poder correr e gritar até já não sentir nada. Mas de que serveria? Já nada para nada serve. É por isso que não me importo de estar aqui a ser transparente e frágil. A única coisa que posso fazer é dizer-te que és o que faz sentido para mim.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Tu



Ver-te, para mim, não é ver-te
Mas sim ver a lua bem cheia
A salpicar a noite com a candura
Da sua branca luz.

É ver o mar a estender-se
Até ao infinito.
É ver uma flor a desabrochar
Com o primeiro raio de sol da madrugada.

É ver riachos a correr
Desvairados e livres
Com a violência da suprema alegria
Que decerto experimentam.

É ver pessoas que se esqueceram
Dos muros cinzentos e frios,
E reaprenderam a sorrir
Dançando sem fim por aí fora.

É ver vida que não quer
Apenas existir, mas de facto Viver.
Inalar cada segundo deste tempo
Que nos dá tanto se quisermos.

Ver-te é ver o mundo todo a completar-se,
Pois todo o meu mundo se completou
Quando por fim apareceste
E tudo o que é meu a ti se entregou.


quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

A voz do vento



Monsanto, "a aldeia mais portuguesa de Portugal". Não há realmente nada como regressar à terra e ouvir o vento a segredar-nos os contos das casas de pedra granítica que se confundem com os montes e vales que as rodeiam. Poder ver que ali toda a intervenção humana, tão singela mas firme, não modifica a paisagem mas apenas a completa. Ir encosta acima rumo às ruínas do castelo em caminhada silenciosa enquanto a imensidão nos envolve e ouvir a estranha música do vento por entre os pedregulhos que se confunde com os cantares das adufeiras que ao longe tentam trazer à vida as histórias de quem já não existe. E poder vivenciar a simplicidade, a natureza, a vida que se encontra nos locais onde todos afirmam que o tempo parou, mas que na verdade respiram verdadeiramente. Ir a Monsanto é,  com a calma de quem encosta a cabeça numa almofada, redescobrir a autenticidade.